quinta-feira, 4 de julho de 2024

Manifesto dos 50 pela Justiça

       "Manifesto dos 50" pela Justiça

O movimento pela justiça, conhecido por "Manifesto dos 50" caracteriza-se pela larga pluralidade de opinião das pessoas que o integram. Para verificar essa pluralidade basta ler a página web https://manifestodos50.pt/.

No que me diz respeito, o que mais me mobiliza é a luta pelo direito fundamental dos cidadãos a obter dos tribunais uma decisão de qualidade em tempo razoável, seja na como autor, seja como réu, devendo ter-se presente que esta última qualidade abrange, em terreno penal, a condição de arguido e a de mero suspeito.

A este propósito, quem pensa que o Ministério Público não decide esquece que este, ao arquivar um processo, no âmbito penal, decide mesmo. E, por outro lado, que, ao acusar, contribui (ou não) para que os tribunais decidam em prazo razoável, começando este prazo a contar quando um cidadão entra num processo, na qualidade de suspeito ou de arguido. Na verdade, um suspeito ou um arguido já perdeu na opinião pública a inocência, por muito inocente que esteja.

Este movimento, entretanto, só valerá a pena se se mantiver activo no tempo, em luta constante pelos seus objectivos. Para isso precisa de imaginação, pois, na sociedade em que vivemos, salta-se de problema em problema, sem cuidar de os resolver com a ponderação e o tempo de que precisam.

Resolver os problemas da justiça não é tarefa fácil, mas não é por isso que não podem ser resolvidos. Precisam, contudo, de muito e constante trabalho. Por isso, cabe a este movimento fazer uma parte dele. São convocados igualmente e em primeira linha para esta tarefa, magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais, professores universitários e, claro, o Governo e demais entidades públicas.

Disto isto seguem alguns breves aditamentos:

Decisão de qualidade     O direito a uma decisão em prazo razoável está consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os dois preceitos conferem o direito a uma decisão judicial, mas nada mais dizem. Ora, deve entender-se que o direito dos cidadãos não se satisfaz com uma qualquer decisão, devendo excluir-se, desde logo, as decisões arbitrárias. A decisão a que os cidadãos têm direito deve ser uma decisão justa ou, pelo menos, tendo em conta a dificuldade de definir justiça, uma decisão de qualidade, ou seja, devidamente fundamentada. Deve ser, por outro lado, uma decisão definitiva dentro do prazo razoável.

Prazo razoável      Também é difícil estabelecer o que é um prazo razoável, pois este pode ser diferente de processo para processo, mas deve entender-se por razoável um prazo cuja duração seja compreendida por um cidadão médio, tendo em conta os prazos definidos na lei e a fundamentação apresentada para essa duração. Deve dizer-se que, em regra, o autor deseja que se cumpra o prazo razoável, sucedendo que o réu, pelo contrário, tem muitas vezes interesse que a decisão demore o mais tempo possível. No entanto, o interesse deste último na demora não deve ser atendido, embora não deva esquecer-se que pode até acontecer que seja ele o maior interessado numa decisão rápida por considerar que a razão está do seu lado.

Gestão do processo      O conhecimento e a  experiência dizem-me que a administração da justiça é um serviço público que precisa de ser bem gerido. Sem uma boa gestão não funciona mesmo.

(DM - 4.7.24)

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Israel e a Violação da Lei de Talião

Estamos a viver o mês das festas. É o Santo António, é o São João, é o São Pedro e outros santos e santas, certamente. Tempo de alegria para nós que vivemos em Portugal, salvo aqueles que, por doença ou outros motivos bem tristes, não o podem gozar. Mas será que temos bem presente o sofrimento horrível que ocorre em territórios como Gaza, Ucrânia e ainda muitos outros do nosso planeta, desde logo em África, a que chamamos “conflitos esquecidos”? Se não temos, deveríamos ter, pois fazemos todos parte da família humana, com os deveres que isso implica.

Centremo-nos, por razões que bem se compreendeem em Gaza, podendo extravasar o essencial do que se dirá para os outros lugares de horror. Não esquecemos, não podemos esquecer as centenas de vítimas causadas em 7 de Outubro de 2023 pelo Hamas, através de um acto de terrorismo para o qual não chegam os adjectivos e que não tem nenhuma justificação.

Porém, também não tem justificação a reacção do Governo de Israel que está a violar, sem qualquer pudor, a velha Lei de Talião, que hoje condenamos vivamente , mas que no seu tempo constituiu um enorme progresso, pois tem por base não a desenfreada vingança e violência contra quem pratica agressões, mas a contenção da resposta, sancionando apenas aqueles que agrediram.

Até então, quando um grupo agredia outro este sentia-se no direito de responder, atingindo não só o agressor mas todos os que lhes estavam próximos, desde logo familiares, amigos e cúmplices. Era uma reação descontrolada que só tinha os limites que resultavam da força que o vingador possuía.

A Lei de Talião ao prescrever “olho por olho, dente por dente” veio circunscrever a condenação do agressor a algo igual ao que ele provocou. Hoje, a Civilização já deixou para trás a Lei de Talião e o agressor é condenado dentro de limites humanos, acolhendo-se a ideia de que um mal não deve ser retribuído com igual mal, mas possibilitando o arrependimento e a regeneração do agressor.

Ora, o Governo de Israel está neste momento a agir como se estivéssemos no período anterior a essa lei. Para atingir ou tentar atingir os agressores, membros do Hamas, o Governo de Israel não hesita em afugentar, ferir ou matar tudo o que apareça pela frente, sejam crianças, mulheres, velhos, doentes ou outros inocentes.

E para retribuir o mal que atingiu cidadãos e cidadãs de Israel pouco importa que largos milhares de pessoas morram à fome, não tenham água potável, não tenham habitação onde se abrigar, nem hospitais a que recorrer em situação de doença. Seriam precisas muitas linhas para descrever o horror que ali se passa.

A palavra de ordem é fazer sofrer, se necessário a morte, para que não se repita o 7 de outubro. No entanto, o Governo de Israel está a semear vingança, esquecendo que a vingança alimenta vingança, fazendo cada vez piores os seres humanos que a praticam.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Os 30 Anos da Escola de Direito da Universidade do Minho e do Cejur

Até 1911, a lecionação do Direito conducente à licenciatura e demais graus que permitiam o exercício da advocacia, da magistratura e de outras profissões jurídicas ocorria apenas na Universidade de Coimbra. Em 1911, na sequência da implantação da República em 1910, a Universidade de Lisboa  passou a leccionar também Direito e até 1993 a lecionação  jurídica em universidades públicas limitou- se a essas duas escolas universitárias.

Em outubro de 1993 iniciou-se a lecionação também em Braga, na Universidade do Minho, formando-se assim a terceira escola pública do ensino do Direito no nosso país. Depois, surgiram mais duas escolas de direito em universidades públicas: a da Universidade do Porto em 1995 e a da Universidade Nova de Lisboa em 1997. Desde essa data não foram criadas novas e não é de prever que se criem pelo menos nos tempos mais próximos. É já abundante a formação de juristas nas escolas públicas e privadas do país.

 A história da criação da Escola de Direito  na Universidade do Minho está contada, em breves traços,  na obra  “Estudos em Comemoração dos 20 Anos da Escola de Direito da Universidade do Minho” publicada pela Coimbra Editora em 2014. A escola de direito  do Minho iniciou-se com pouco mais de 50 alunos (numerus clausus), mas hoje eles são 1645 no total, dos quais 848 na licenciatura, 762 no Mestrado e 71 no doutoramento. Publica ao mesmo tempo a revista “Scientia Ivridica” e acolhe, desde este ano, a Livraria Almedina.

Importa, no entanto referir,  que, nesse mesmo ano de 1993, foi criado na Universidade do Minho, em estreita ligação com a licenciatura em Direito e para apoiar o seu desenvolvimento, o Centro de Estudos Jurídicos do Minho (Cejur) que tem também uma história de 30 anos, que não cabe aqui descrever , bastando referir que, depois dos Seminários de Outono, com que iniciou a sua actividade,  o Cejur começou a publicar  em 1996 uma revista de grande êxito a nível nacional denominada Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) e mais tarde outras duas importantes revistas com o nome de  Cadernos de Direito Privado (CDP) e Cadernos de Justiça Tributária (CJT). Este centro, que tem publicado também diversas monografias e  organiza seminários, cursos e outras sessões, continuando  bem  activo, tem potencialidades que importa explorar, contribuindo para a afirmação da Escola de Direito da Universidade do Minho no país e fora dele.

Como aconteceu nos 10 e 20 anos da criação da Escola de Direito os 30 anos são   comemorados com uma obra desta vez  intitulada “ As Palavras Necessárias. Estudos em comemoração dos 30 anos da Escola de Direito por ocasião do centenário de Francisco Salgado Zenha”. A associação do ilustre jurista bracarense a esta comemoração deve-se ao facto de ocorrer neste ano de 2023 o centenário do seu nascimento e estar integrada, por doação, na Escola de Direito,  a sua muito valiosa biblioteca.

Esta obra em dois volumes e cerca de mil  páginas  contém textos relativos à figura  de Salgado Zenha e numerosos estudos de ordem científica, devendo estar acessível online no repositório da Universidade do Minho. A apresentação ocorrerá no dia 15 de Dezembro de 2023  da parte da manhã, na Escola de Direito durante uma sessão solene comemorativa dos seus  30 anos aberta ao público interessado que, nos termos do programa, terá a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e a presença do Reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro  e  da Presidente da Escola de Direito, Cristina Dias.

(Diário do Minho 14-12-23)

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

As greves na função pública

Os profissionais que trabalham na educação, na saúde e na justiça têm a obrigação de ponderar muito bem antes de fazer greve. As greves nestes serviços públicos essenciais prejudicam em primeira linha não o Governo em funções, mas os que precisam dos serviços de educação, saúde e justiça, numa palavra, os cidadãos.
 
Os servidores públicos não podem esquecer que o Governo não é o seu patrão, não é dele o dinheiro com que são pagos. Os cidadãos que pagam impostos são o verdadeiro patrão dos funcionários públicos. E todos pagam, até os pobres. Mesmo quando o dinheiro vem da União Europeia ele é entregue ao Estado, constituído pelos seus cidadãos e não ao Governo ou outras entidades públicas que têm apenas a obrigação de o gerir bem.
 
Assim, é nos cidadãos que devem pensar, em primeiro lugar, antes de fazer greve os que trabalham na Administração Pública e na Justiça. Não está em causa o direito à greve dos cidadãos que trabalham nestes sectores, mas a facilidade com que as fazem, argumentando que deste modo vão melhorar os serviços públicos, quando o que sucede é que os cidadãos que têm dinheiro fogem  para o sector privado. E fogem, sempre que podem, porque lá as greves são raras. Ao contrário do que sucede na Administração Pública, fazer greves no sector privado é difícil e perigoso.
 
Melhorar os serviços públicos, remunerando devidamente quem neles trabalha é um imperativo que nós cidadãos devemos ter sempre presente. Mas acertar o justo pagamento é trabalho aturado que deve ser feito, sempre que possível, utilizando meios alternativos de solução dos conflitos e quando a greve for considerada a única saída, então cabe a quem dela se socorrer, convencer bem os cidadãos, demonstrando a sua razão e só depois  a concretizando.
 
Por sua vez, o Governo tem o dever de prestar contas publicamente, fundamentando a razão por que acedem ou não às exigências dos trabalhadores. As greves na função pública não são um mero assunto a dois e os meios de comunicação social, como voz dos cidadãos, devem ter o cuidado de informar detalhadamente sobre os argumentos de uns e de outros, não podendo imperar o segredo. Não perceber a especificidade das greves no sector público é não saber que em democracia os cidadãos são muito mais importantes que o Governo.
 
(Artigo de opinião publicado no JN, de 11-10-2023)

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

70 Anos da Associação Jurídica de Braga

Decorre nesta sexta-feira, dia 29 de setembro de 2023, pelas 15 horas, no Salão Nobre da Universidade do Minho, o início da comemoração dos 70 anos da restauração (refundação) da Associação Jurídica de Braga (AJB), criada em 1835 e louvada por D. Maria II, através de portaria de 3 de novembro desse mesmo ano.

De vida curta e difícil nos conturbados tempos da afirmação do regime liberal em Portugal, a AJB ressurgiu em 1953 e mantem-se sem interrupção até aos nossos dias, bem merecendo esta comemoração.

É do maior interesse lembrar também a sessão solene do 50.º aniversário da restauração da Associação (2003), data muito especial, que contou com a presença e presidência do Senhor Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio e de um elevadíssimo número de altas personalidades, sendo as significativas palavras de abertura proferidas pelo saudoso Presidente da Associação Jurídica de Braga, Dr. Óscar Ferreira Gomes, muito recentemente falecido. Vale a pena ler o que foi dito nessa sessão e que consta da Revista Scientia Ivridica n.º 297, de setembro-dezembro de 2003 (pp. 397-422 e 594-595).

Bem agiu a AJB, presidida pelo Juiz-Desembargador Dr. José António Estelita de Mendonça, cuidando agora da comemoração desta também importante data, com a presença de muito ilustres personalidades e de que os meios de comunicação social darão seguramente a devida notícia.

Destes 70 anos de existência pretendemos apenas lembrar, nestas breves linhas, um período notável da vida da AJB na década de oitenta do século passado. Depois de uma fase menos activa relacionada com as atenções dirigidas para a instalação e consolidação do regime democrático que hoje vivemos, a Associação começou a desenvolver em ligação com a Universidade do Minho intensa e brilhante actividade, devendo ser evocada a Direcção que a dirigia.

Acompanhei de perto esse período como sócio e já docente da Universidade do Minho, sendo um mero colaborador, não exercendo qualquer cargo, mas participando nas reuniões. O que mais me impressionou nesse tempo foi não só o entusiasmo e dedicação dos directores, todos advogados, mas o entendimento entre todos no que respeitava à AJB.

Entendimento aparentemente nada fácil, pois o presidente da direcçao era o Dr. António Oliveira Braga, convicto republicano liberal; vice-presidente era o Dr. José Ferreira Salgado, socialista muito activo; faziam parte da direcção ainda, o Dr. Humberto Trindade Soeiro, comunista extremamente combativo ; o Dr. Manuel Freire de Andrade, monárquico altamente respeitado; e o Dr. António José da Costa, um democrata muito sereno.

Ora, todos eles quando se tratava da AJB estavam em sintonia e nenhum problema ideológico havia quando a direcção convidava, como convidou, vários ministros da justiça, ilustres professores, magistrados, advogados e outros juristas para as suas iniciativas e para as bem conhecidas “sessões de estudo” . A política não contava nas reuniões, a não ser, episodicamente, antes da ordem do dia. Depois, o que todos queriam era uma Associação que contribuísse para o bem do Direito e para a afirmação de Braga e desta região, alfobre de juristas notáveis como escreveu, na Revista de Legislação e Jurisprudência, o doutor Antunes Varela (RLJ, n.º 3817, Ano 125) .

O que foi a intensa actividade desenvolvida nesse período está devidamente documentado na secção “Vida Jurídica” da revista Scientia Ivridica, merecendo atenta leitura.


(Publicado no jornal DM de 29.9.23)

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Francisco Salgado Zenha - Estudante

Francisco de Almeida Salgado Zenha nasceu em Braga em 2 de maio de 1923 e foi para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1940, depois de frequentar o Liceu Nacional Sá de Miranda, em Braga. 

Em Coimbra, foi eleito em Assembleia Magna de Estudantes, realizada em 13 de Dezembro de 1944, presidente de uma direcção composta por nove membros, nomeada por portaria do Ministro da Educação Nacional publicado no Diário do Governo de 22 de Dezembro desse mesmo ano e empossada pelo Reitor em 13 de Janeiro de 1945, tendo sido demitida em 29 Maio desse mesmo ano.

A eleição, nomeação e demissão desta Direcção só pode compreender-se à luz do contexto ditatorial da época. Desde 1936, que a direcção da Associação Académica de Coimbra (AAC) passara a ser nomeada pelo Governo , mas em 1944, antes da nomeação de uma nova direcção, agindo muito habilmente, a Assembleia Magna da Academia elegeu a direcção presidida por Francisco Salgado Zenha, como atesta a ata de posse, e o Reitor da Universidade, acatou esta eleição, indicou-a para despacho do Governo e empossou-a de seguida. Estava longe de pensar no que se iria seguir, sendo certo que a Direcção de Francisco Salgado Zenha (FSZ) actuou, sempre, combinando o necessário diálogo e lealdade com firmeza na defesa dos interesses dos estudantes.

Foram apenas cinco meses de exercício do cargo, mas desse período ficou memória da intensa actividade desenvolvida através de um opúsculo intitulado “Relatório e Contas da Direcção da Associação Académica de Coimbra (Dezembro de 1944 a Maio de 1945)” que relata objectivamente essa mesma actuação, acompanhada com a muita e fina ironia de FSZ

A Direcção a que presidiu cuidou muito da cultura e do desporto, que tão mal estavam, mas esteve longe de ficar por aí. Tratou de coisas tão simples como o preço do banho e do sabão nos balneários públicos, de descontos para os estudantes na Livraria Atlântida e da fixação de preços no Bar da AAC, no que teve êxito, até assuntos da maior importância para os estudantes como o restabelecimento da representação destes no Senado Universitário e na Assembleia Geral da Universidade, a realização de um Congresso dos Estudantes e a mudança do sistema de exames nas duas Faculdades de Direito então existentes no País. De salientar também que o jornal dos estudantes “Via Latina” passou rapidamente de uma tiragem de 600 exemplares para 3.000 à data de Maio de 1945. Como se imagina essa luta apesar de muito bem conduzida não teve, nem podia ter sucesso. Ficou o testemunho.

O modo como ocorriam os exames em Direito merece referência porque o ensino era ministrado durante o ano por cadeiras e o exame era feito num só dia a todas elas. Os alunos pediam nomeadamente que passasse a haver um intervalo de, pelo menos, oito dias de exame para exame.

A luta pela representação nos órgãos da Universidade foi constante nos sucessivos diálogos com o Reitor, mas sem sucesso e a vida democrática desta Direcção terminou desta forma. No dia 19 de Maio de 1945 organizou-se uma manifestação de gratidão a Salazar pela não participação na II Guerra Mundial e no dia 17 de Maio o Reitor convidou Francisco Salgado Zenha para uma entrevista durante a qual convidou a Direcção da AAC para se fazer representar na manifestação em Lisboa. Salgado Zenha agradeceu, mas considerando que o convite era para a direcção e para representar a Academia teria de ouvir os estudantes. Em 18 de Maio assim se fez, tendo os estudantes por maioria absoluta rejeitado o convite, tendo para isso o fundamento de a direcção da AAC ter anunciado , desde o início, que se limitaria à defesa dos interesses dos estudantes, sem quaisquer outras interferências.

A demissão ditada pelo Governo veio pouco depois através de despacho de 29 de maio e as palavras críticas do Reitor dirigidas à Direcção presidida por Salgado Zenha, na tomada de posse de uma comissão administrativa, em 20 de Junho de 1945, mereceram de Salgado Zenha uma notável resposta que bem merece ser lida.

Os estudantes da Universidade do Minho têm em Francisco Salgado Zenha um exemplo que devem conhecer e seguir.
 
(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 28-04-2023)

sexta-feira, 3 de março de 2023

Os 50 Anos da Universidade do Minho: Breves Notas

A cerimónia do 49.º aniversário da Universidade do Minho ocorrida no Salão Medieval da Reitoria, no dia 18 de Fevereiro de 2023, com a costumada participação de largas centenas de pessoas, merece uma atenção especial, não podendo ficar esquecida passadas uma ou duas semanas.

Qualquer das intervenções proferidas, nomeadamente as do Reitor e do Presidente da Assembleia da República, mereciam um comentário, mas por razões de espaço e porque essas intervenções foram certamente as mais divulgadas pelos meios de comunicação social, reservamos a atenção para as intervenções da Presidente do Conselho Geral (CG), Dr.ª Joana Marques Vidal e da Presidente da Associação Académica da Universidade do Mino (AAUM), a estudante Margarida Isaías.

Sobre a intervenção de Joana Marques Vidal, anotamos especialmente a ideia de abertura da universidade ao meio exterior, fazendo apelo à “comunidade cidadã” para participar na avaliação do RJIES (Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior) e na revisão do mesmo.

Assim deve ser. A ideia de uma universidade corporativa e desse modo fechada, que não tem de responder perante a comunidade envolvente deve ser repelida. A UM deve ter portas abertas a quem pretenda informação (informação de interesse geral), recebendo as opiniões que forem emitidas e acolhendo as críticas que, porventura, lhe sejam feitas, para as apreciar. No entanto, a nosso ver, a universidade corporativa é ainda a ideia dominante na Universidade do Minho como nas outras universidades. Muito caminho há a percorrer. Muito do que se passa nos muros da Universidade deveria ser do conhecimento fora dela e muitas vezes, nem dentro da própria comunidade académica, é bem conhecido. Ao contrário do que se possa pensar, a Universidade não é propriedade dos que nela estão como docentes, investigadores, estudantes ou funcionários. Ela está ao serviço da região e do país, devendo cumprir as missões que lhe estão atribuídas pela Constituição e pela Lei.

Oportunas também as palavras da Presidente do CG sobre o financiamento da Universidade do Minho por não aplicação da lei que regula o financiamento das instituições de ensino superior, seguindo as palavras do Reitor. Como se pode conceber que a lei não seja aplicada, nos termos que ela estabelece, e, pior ainda, que a Universidade do Minho, juntamente com algumas outras, tenha sido (continua a ser?) discriminada negativamente em relação às restantes?

A intervenção da Presidente da AAUM, Margarida Isaías, especialmente aplaudida, mereceu esses aplausos, pois saiu do formato que, em regra, estamos habituados a ouvir, sendo suficientemente irreverente, como deve, criticando nomeadamente o modelo de ensino e os métodos de avaliação praticados na UM que considerou desactualizados. Chamou a atenção, por outro lado, para o papel dos estudantes na academia, desde logo, a participação nos órgãos da Universidade e das Escolas de que fazem parte. Mas é aqui que a Presidente Margarida deve ser chamada à sua grande responsabilidade. Pouca gente saberá, fora da academia, que quem decide, por exemplo, a eleição do Reitor são, muitas vezes, os estudantes. Com os votos dos seus representantes no Conselho Geral decidem para que lado a balança deve inclinar-se.

Ora, sendo assim importa que a representação dos estudantes no CG seja o resultado de uma participação forte no acto eleitoral da escolha deste órgão e, principalmente, que os estudantes saibam o que está em causa nessas eleições.

A ideia que tenho, fundada em muitos anos de experiência, é que a grande maioria dos estudantes não sabem sequer quais são os órgãos da Universidade, muitos deles nem o nome do Reitor e o mesmo desconhecimento ocorre com a unidade orgânica de que estão mais próximos. Era de todo o interesse realizar um inquérito para apurar o conhecimento dos estudantes neste domínio. Seria assim tão difícil fazê-lo? É um assunto, entre outros, que merece ser abordado com mais detalhe.

PS – A UM tem no atendimento telefónico uma pessoa e não uma “máquina” daquelas, demasiado espalhadas, que anuncia algo como: se pretende isto, prima 1; se pretende aquilo prima 2, etc. (algumas vão até 9!). Ainda bem. Até porque a pessoa em causa é amável e encaminha rapidamente.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 03-03-2023)